domingo, 18 de janeiro de 2009

Canto

O ar úmido, o vento gelado acariciando a minha face, o barulho da água batendo no casco da embarcação - esta cena por si só já me era mui agradável. Ao nos aproximarmos da ilha de Anhatomirim, a névoa que encurtava o nosso campo de visão foi se abrindo como as Brumas de Avalon. A física ou a química explica? Talvez. Prefiro acreditar que os portais da mágica ilha se abriam para a nossa passagem.
Barco atracado, todos desembarcamos. A visão era linda, as construções que se revelavam eram de um encantamento difícil de ser descrito, mas confesso que o que me encantou foi a natureza. As escadarias de mármore português me levaram para mais perto das construções do Forte. No topo das escadarias um portal que em sua arquitetura lembrou-me um pouco as construções orientais, mas foi só atravessar para lembrar que estava diante de obras do Brasil - colônia de Portugal.
Entre Casa do Comandante, Paiol, Estação Radiotelegráfica, adentrar no Quartel da Tropa causou-me arrepios. Ao tocar nos furos de balas nas paredes lembro-me das histórias de torturas e mortes na ilha. Já não há mais escravos, soldados e comandantes, mas ao fechar os olhos posso vê-los, posso escutar os cantos de solidão e os gemidos de dor. Quanta crueldade! Como alguém pôde matar em meio a uma natureza tão rica?
Tentando esquecer tamanha crueldade e sofrimento, deparo-me com um penhasco e por ele fico hipnotizada. A força das águas batendo nos rochedos é grande. Esta deveria ser a única força permitida naquele ambiente: a força da natureza. Acompanho o vai-e-vem do mar, o som que é produzido me fascina, parece o canto de algum deus mostrando a nós do que é capaz. Ao virar-me, fascina-me mais ainda visão que tenho do Forte de Santa Cruz, imagem de cartão postal vista ao vivo, passando apenas pela lente dos meus óculos.
Na volta para o cais, logo ao descer a escadaria de mármore, um pequeno trecho de areia me chama a atenção. A água, com seu balançar formando pequenas ondas me atraía. Água clara e gelada que tocaram os meus membros inferiores causando sensações indescritíveis e criando um “vago ideal de emoções indefiníveis”. Alegria, melancolia, saudades, tranqüilidade, difícil listar o que passou por minha cabeça naquele momento. Não era mais a natureza selvagem que Louis Choris descreveu, mas era exuberante, poderosa e ao mesmo tempo tão fraca, suscetível às mãos e máquinas do homem.
Voltamos pelo caminho das águas. A chuva fina e o vento pareciam querer nos maltratar, mas eu, que já não me importava com as roupas molhadas, apreciei aquele simples momento “como quem já não quer mais chegar, como quem se acostumou no canto das águas, como quem já não quer mais voltar” . O sentimento mais sincero era realmente de não querer mais voltar, o desejo mais profundo era de fazer daquele o meu canto.

Talita Wuerges

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